Velocidade x Aversão à Mudanças

Boa noite, pessoal...

Há questão de algumas postagens atrás eu comentava a respeito do ritmo frenético que nos é imposto pela vida, por conta de termos constantes cobranças advindas de um crescente desempenho profissional e acadêmico.

A palavra velocidade pode ter um caráter benéfico, porém um componente cruel e fascinante ao mesmo tempo, na medida que é o componente principal do automobilismo. Se este esporte nos dá emoção, adrenalina, vontade de introjetarmo-nos na disputa em direção ao primeiro lugar e aos louros da vitória, ao mesmo tempo nos exibe, sazonalmente, frações cruéis do quanto a espécie humana ainda é frágil em relação à máquina. Mesmo considerando o avanço de todo o aparato tecnológico, que inegavelmente incrementou o nível de segurança da competição, não há como impedir a fatalidade iminente, quando temos um agrupamento de mais de 30 carros movimentando-se a quase 400 km/h, em um curto espaço de largura.

Foi o que ocorreu no circuito de Las Vegas, no último domingo, dia 16/10. Em um impressionante acidente, que envolveu 15 carros, o piloto inglês Dan Wheldon faleceu, em consequência de seu carro, de número 77, ter se chocado no muro de maneira a não haver possibilidade de salvá-lo.



A diferença neste caso, é que não houve omissão e falta de esforço para salvá-lo. Neste ponto, a velocidade e a pressa foram necessárias.

Mas, retornando à relação entre homem/máquina, quantas vezes estamos nos deparando com inconsequentes motoristas em seus possantes automóveis, impelidos pelo poder inebriante do álcool, a utilizar seus carros como verdadeiras armas contra inocentes? Tão grave quanto a inconseqüência de tomar a condução sem condições mínimas, é a impunidade e a omissão que parece acompanhar as vítimas e suas famílias.

De posse de seus luxuosos Camaros, Hilux e outros (importados ou não) e da certeza de que terão salvaguardas suficientes para se livrar da responsabilidade, não se importam com a vida de seu semelhante, a qual, mesmo muitas vezes permeada por simplicidade, pode ser muito mais importante para outras pessoas do que estes seres inconseqüentes imaginam.

Tudo isso sintetiza a dificuldade pela qual o ser humano passa quando deve mudar os seus paradigmas, os seus conceitos. Isto porque leva em consideração o seguinte fato: somente realizamos mudanças se algo trágico nos atinge diretamente. Enquanto isso não nos afeta, permanecemos em uma "zona de conforto" típica...

Retornando ao quesito segurança e me apropriando um pouco deste conceito (a chamada zona de conforto), uma cena que representou uma alteração enorme de paradigma na categoria da Fórmula 1, foi o acidente que atingiu o piloto britânico Roger Williamson, na década de 1970.

(Acima: David Purley se afasta desolado, do carro em chamas de Roger)
Em 29 de Julho de 1973, milhões de pessoas assistiam ao Grande Prémio da Holanda de Formula 1, aguardando o duelo entre o escocês Jackie Stewart, da Tyrrell, e o brasileiro Emerson Fittipaldi, da Lotus. No entanto, durante a prova, foi presenciada uma das cenas mais chocantes da história do automobilismo. Sumariamente fotografada e registrada, a morte do piloto inglês Roger Williamson e as tentativas infrutíferas do seu compatriota David Purley de salvá-lo, cenas que até mesmo quem não gosta de automobilismo geraram emoção e revolta.
Aqui, o componente da omissão foi bastante evidenciado, visto que Purley, em um gesto de humanidade e sensibilidade, abandonou seu carro March e correu desesperadamente ao de Williamson, já em chamas e capotado. Os comissários de pista assistiam inertes ao desespero do piloto inglês, que estava vivo. Ao chegar próximo dele, Purley ouvia os gritos de socorro e por si só, tentou virar o carro e tomou um extintor de incêndio para si, combatendo infrutiferamente as chamas (as quais viriam a ser extintas somente depois de pelo menos 10 minutos, quando efetivamente chegaram os primeiros carros de bombeiros).
As cenas abaixo sintetizam bem o que aconteceu, pois retratam a revolta de Purley em relação à leniência dos comissários de pista e organização da prova, enquanto Williamson agonizava...




Ironicamente, toda esta aversão à mudanças de paradigmas associados a uma corrida de Fórmula 1, que poderiam ter salvo a vida de Williamson por atitudes simples como interrupção total da corrida e a chegada mais ágil de equipes de socorro, teve o efeito inverso em relação ao esperado pela magia do esporte: causou aversão total em todos os presentes e os telespectadores.




Mas restou, ao menos um elemento amenizante nesta situação e que muitos destes nossos motoristas irresponsáveis motivados pelo álcool deveriam tomar como referência: o ato de humanismo de Purley, que, acima da competição e do esporte em si, foi um campeão de solidariedade, por tentar, com todas as forças que estavam a seu alcance, salvar a vida de um companheiro.


Tanto que foi condecorado com a George Medal, a condecoração civil mais alta de Inglaterra por bravura. E recebeu mais doze prémios semelhantes… As fotografias do acidente, e subsequente tentativa de salvamento, foram tiradas pelo holandês Cor Mooij, que em consequência, recebeu o prémio World Press Photo desse ano.

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